terça-feira, 13 de novembro de 2012

Bunkers se espalham pelo solo Brasileiro


IVAN MARSIGLIA, JUNDIAÍ, SP

Não é exatamente lugar-comum dizer que o paulista Wagner Hebling é um empreendedor de olho no futuro. Nascido em Rio Claro, no berço de uma família conhecida de dentistas, há dois anos ele pôs o diploma de odontologia de lado e trocou as obturações por perfurações mais profundas. Wagner constrói abrigos de proteção subterrâneos, resistentes a assaltos, rebeliões, guerras nucleares ou catástrofes ecológicas. “Eu procurava alguma coisa que fosse diferente e promissora”, conta ele, na sede de sua empresa, a Bunker Brasil – pioneira no atendimento de um público-alvo de todo tipo de desgraças.

Aos 41 anos, tanto Wagner quanto seu sócio, o gerente comercial José Roberto Cravo, paulistano de 56 anos formado em biologia que também optou por um meio de vida mais rentável, concordam: 2012 tem sido “um ano especial” no ramo que inauguraram. Embora ambos tenham horror a relacionar seu recém-descoberto nicho de mercado às profecias em torno do fim dos tempos – que estaria, acreditam alguns, agendado no calendário Maia para o próximo 21 de dezembro -, não puderam deixar de notar um incremento significativo nos negócios. “A procura praticamente dobrou”, contabiliza José Roberto, ressaltando que a iniciativa se mostrou viável bem antes do, por assim dizer, boom de 2012.

Foi em 2010, depois de percorrer sites e contatar empresas que fazem fortuna com esse tipo de edificação nos Estados Unidos e na Europa, que Wagner colocou na rede o seu www.bunkerbr.com praticamente sem estrutura, entocado em casa. Em menos de uma semana, o telefone tocou pela primeira vez. Meses depois, já alugava com o sócio um pequeno escritório, trocado em meados do ano passado por outro maior, no segundo andar de um prédio comercial no centro de Jundiaí.

Na nova sede, têm a conveniência de estarem a poucos degraus da empresa de engenharia que desenha os projetos executivos e toca as obras dos abrigos e do escritório de importação e exportação, que traz – sobretudo dos EUA e da Suíça, países líderes nesse tipo de tecnologia – equipamentos como filtros de ar atmosférico, portas de aço revestido, baterias de longa duração e alimentos liofilizados ou com grande prazo de validade.

Não se trata de um mero puxadinho de emergência. Um bunker básico com 75 m², feito para acomodar uma família de seis a oito pessoas, não sai por menos de R$ 300 mil. Já para os subterrâneos de alto padrão, bem equipados e imunes a bombardeios e contaminação por radioatividade, agentes químicos ou armas biológicas, o céu é o limite: excedem facilmente o R$ 1 milhão. Além de quartos, banheiros e cozinha, alguns têm salas de estar e de lazer. Podem estar a vários metros abaixo do nível do solo e têm sistemas elétrico, hidráulico e de comunicação por telefone, internet e rádio independentes dos da residência principal.

Os empresários dizem ter construído, mobiliado e entregue, prontos para morar, três abrigos – dois em São Paulo e um no Paraná. Mas trabalham atualmente em outros 60 projetos espalhados pelo País, na maior parte dos casos em cidades do interior, um deles planejado para acomodar confortavelmente 110 pessoas de uma mesma comunidade. “A área urbana é a menos indicada para a permanência em caso de desastre”, explica Wagner. “E também para esse tipo de construção, por questões técnicas e de privacidade do cliente.” A discrição é a alma do negócio de proteção de vidas: pouca gente quer exibir as entranhas de seu patrimônio ou seus temores mais íntimos à curiosidade pública.

O bunker do best seller. Quem se exibiu – fora do Brasil, diga-se – foi o escritor Paulo Coelho em novembro do ano passado, ao abrir seu apartamento na Suíça para o programa de Ana Maria Braga. No melhor estilo Caras, desceu de elevador com ela e o câmera do Mais Você os 100 metros de subsolo no edifício onde mora, na cidade de Genebra. “Olha a porta, puro concreto armado”, diz o mago no vídeo, que pode ser visto no YouTube. “Mas guarda-se o quê aí?”, pergunta a apresentadora. “Guardam-se vidas”, ri o mago, “Isso se chama paranoia suíça. Estou te dando as boas-vindas a um abrigo antiatômico!”

Seja por paranoia ou por previdência, abrigos nucleares são coisa séria na terra onde se refugia nosso maior best seller. O país é o único no mundo capaz de acomodar sua população inteira em bunkers em caso de ataque ou uma nova guerra mundial. Segundo informações do site SwissInfo, da Sociedade Suíça de Radiodifusão, em 2006 já havia cerca de 300 mil bunkers em residências e edifícios comerciais e 5.100 abrigos públicos, com capacidade total para 8,6 milhões de pessoas (na sequência vêm Suécia e Finlândia, com 7,2 e 3,4 milhões de lugares protegidos, respectivamente 81% e 70% da população). Isso porque desde 1963 a Lei Federal Suíça sobre Proteção Civil obriga proprietários a construir refúgios em todos os prédios novos.

Os primeiros bunkers da Europa remontam à 2ª Guerra Mundial, mas sua produção ganhou impulso e sofisticação no pós-guerra. A despeito da diplomacia sempre cautelosa de Genebra, havia naqueles anos de Guerra Fria o temor generalizado de uma hecatombe nuclear. Uma campanha lançada na época tinha como slogan: “A neutralidade não dá garantias contra a radioatividade”. Em 2005, um projeto apresentado no parlamento suíço tentou suspender a obrigatoriedade por considerá-la “uma relíquia do passado”, que encarecia enormemente as construções. Mas o governo manteve a política, alegando a existência de novas ameaças, como o terrorismo, as catástrofes naturais e as epidemias.

Nos EUA, onde a indústria de construção de abrigos de proteção para tornados é grande na área rural, um comercial de TV da Fema, a agência governamental de prevenção de catástrofes, causou polêmica entre os que criticam a chamada “cultura do medo” no país. Com imagens de uma família e seu pertences voando dentro de casa, uma narração sombria entoava frases do tipo: “E se a vida, da maneira que você a conhece, virar de cabeça para baixo?” No fim da propaganda, a inscrição www.ready.gov leva o temeroso internauta americano a um site que o ensina desde manter um kit de sobrevivência com mantimentos, água e remédios sempre à mão até dicas de “como tomar conta de seu pet em caso de desastre”.

Temporada no fim do mundo. A iniciativa privada, como seria de se imaginar, não deixou passar as oportunidades financeiras trombeteadas pelos profetas de 2012. A empresa Terravivos oferece vagas para uma temporada de conforto no fim do mundo em bunkers coletivos ao custo de US$ 75 mil por pessoa. Depois do tsunami que varreu o Japão em março do ano passado, com direito a vazamento de radiação da usina de Fukushima, o CEO da Terravivos, Robert Vicino, declarou ter recebido centenas de pedidos de reservas – confirmadas apenas mediante o pagamento de um depósito de US$ 5 mil. Na Espanha, uma reportagem da BBC registrou a criação do autodenominado “Grupo de Sobrevivência da Espanha 2012″, com 180 associados que exigem das autoridades um “lugar ao solo”.

O Brasil, recém-chegado ao posto de sexta economia do mundo, não poderia ficar atrás no ramo do empreendedorismo apocalíptico. Tem, no entanto, suas peculiaridades. Um fazendeiro encomendou um bunker depois de ver sua propriedade invadida duas vezes por sem-terra. Para se proteger, diria o poeta, debaixo da terra que não queria ver dividida. Outro, inspirado quem sabe na abertura para visitação do famoso bunker de Tessin, no norte da Alemanha – que chegou a ser ocupado por 300 militares em 1945 -, imagina criar um “bunker temático” para receber hóspedes de sua pousada interessados em experiências, digamos, mais profundas.

Wagner e José Roberto confessam que, apesar do adiantado da hora até 21 de dezembro, ainda não providenciaram seus bunkers pessoais. “Estamos juntando recursos para isso”, diz o gerente, abrindo um sorriso. Com o final do ano anunciando cada vez mais trabalho, os dois acham que é hora de ganhar, e não de gastar dinheiro. Para descansar, como diz o ditado, eles têm o sono eterno.

Fonte: O Estado de São Paulo Online

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